segunda-feira, 6 de junho de 2011

gimme love

não sobre amor... não

sábado, 4 de junho de 2011

um certo gosto por ser nada

12
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.
quero ter meus olhos soltos por ai, é isso: olhos esbugalhados pela vida

MEU MUNDO É UMA CAIXA DE MÚSICA

Mundo Pequeno


I
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

II
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Iíngua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.

VI
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

Uma Didática da Invenção do "O Livro das Ignorãnças"

I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

IX
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

IX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

EU NÃO SOU PIEDOSO

"Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas
por que navio bóia? Por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça decompões nos pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através do meus sonhos

PIEDADE - Roberto Piva

não é céu

tua presença morena

http://www.youtube.com/watch?v=QQq7SRnEwOw&playnext=1&list=PLBD531CB44748F3D9