quinta-feira, 15 de março de 2012

Ainda se pede em namoro em SP - Xico Sá

Havia séculos que este cronista caminhador e bisbilhoteiro não testemunhava tal cena.
Foi agorinha. Na alameda Santos quase esquina com a Brigadeiro. Num kilo da vida.
Sim, pelo menos hoje, em plena hora do almoço, existiu amor em SP, amigo Criolo.
A mocinha pálida, que comia uma salada sem graça, tomou um susto quando o moço, que comia uma maminha sangrenta com coca-cola, propôs, na lata:
-Vim aqui hoje para te pedir em namoro.
Ela quase engasga com a folhinha de rúcula.
Suspense. Amor é Hitchcock.
Eu pedi mais um café só para ouvir o desfecho.
Não há passionalidade em quem só come salada, refleti bobamente.
Diz sim, magricela miserável. Eu torcia pelo corajoso rapaz. Quase meto a minha colher no meio daquele silêncio.
O máximo que ela fez foi alisar o braço do moço e dizer que depois conversavam sobre isso.
De qualquer forma já valeu a atitude do camarada com cara de escriturário. Ela, mais fina, tinha jeito de secretária bilíngue, exímia.
Como não se pede mais em namoro hoje em dia, achei duca a coragem do mancebo.
Não se pede mais em namoro, como sempre repito nesta tribuna testosterônica.
É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura clandestinidade?
“Qualé  a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela.
Não se pede mais em namoro.
E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.
Não foi o caso do destemido moço que encontrei agora no kilo da alameda Santos.
No tempo do amor líquido, para lembrar o título do livro do Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero…
Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”?
São raros, raríssimos hoje esses nobres pedidos. Em alguns setores mais modernos e urbanos, digamos assim, talvez nem exista mais.
O amor e as suas mudanças.
A maioria dos homens não pega mais no tranco.
No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Tanto quanto um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores.
“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.
Eis a senha.
Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro dos bistrozinhos óbvios.
O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico. Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas.
Não se pede mais em namoro como esse rapaz agora em plena hora do almoço.
E nas mesas ao lado, naquele mesmo restaurante, os homens engordavam, vida de gado, falando das firmas, dos projetos, dos chefes, dos lucros que não irão para os seus bolsos.

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